LOBO

Exposição Individual
RAM - Residência Artística da Mutuca

2015  





TEMPO MITO PERMANÊNCIA

[1] Penso na primeira vez que os olhos do homem tocaram a paisagem de Altamira. Terão sentido o peso da ancestralidade, que a ponta dos dedos não pode tocar? Esse homem transformou em sensível, as imagens que viu? Sentiu o medo que sinto ao caminhar pelas pedras que levam à Cachoeira Alta? O que Altamira conta hoje, ao visitante que vê essa cidade de longe, é o mesmo que contou ao primeiro homem que pôs os olhos aqui? O que ainda permanece intacto em Altamira, e o que já não pode ser tocado? [2] O imóvel e o instável são os domínios que Luiz Oliveira usa para tocar a paisagem, gerando presenças e imagens do encontro entre estes dois reinos. A câmera resguarda o tempo, registrando seu movimento enquanto nos conta um segredo: o tempo de Altamira pode nos revelar coisas espetaculares. A simetria e a exatidão são interrompidas pela existência de elementos que surgem inesperados e às vezes intempestivos: o tempo é o palco onde estes elementos estão dispostos. A sua grandiosidade se impõe à pequenez de seus atores, cuja presença só pode ser percebida num relance. [3] O místico, para Janaina Wagner, é uma estratégia humana de relação com o mundo. Uma fissura que amplia nossa visão da humanidade. Olhamos para o místico como para a luz do sol: embora torne as coisas visíveis, pode nos cegar. É portanto um gesto demasiadamente humano: colocados numa esfera do não-existente ou do fantástico, os monstros sobrevivem através das histórias que contamos, fabulações possíveis sobre nós mesmos. Houve um tempo em que sabíamos tocar a terra como tocamos a face da pessoa amada. Esse tempo se foi. A humanidade é o maior mito já criado. O homem é o lobo de tudo. [4] Pegue um monte de areia. Deixe que os grãos escorram lentamente entre seus dedos. Interrompa o movimento antes que o espaço entre suas mãos se esvazie por completo. Abra as mãos e conte cada grão de areia que restou. Binho Barreto faz um gesto análogo, partindo da fotografia, chegando à animação. As imagens de Altamira vão se transformando, enquanto permanece o essencial, o perene. Há sempre algo que insiste, que prevalece. Assim como um bom relatório arqueológico deve indicar novas descobertas, mas também as camadas que precisaram ser atravessadas durante a exploração, no verdadeiro registro, os ruídos e rastros devem fornecer a imagem daquele que se lembra. A permanência é o que nos ampara, mas é no limite do desaparecimento que existimos, é quando falamos sobre ele que confrontamos a desmedida da nossa própria vida. [5] O que eu trouxe para Altamira continua guardado na mala. Sei que cada linha escrita aliena os passos de minha caminhada pela cidade. Prefiro andar nu e observar os acontecimentos enquanto imagino o abismo para onde eles retornarão. A poesia é esse abismo. A folha em branco é o lugar de onde o observo.

João Paulo Andrade
Filósofo e Arte Educador